quarta-feira, 1 de junho de 2011

Censura interna foi "fantasma terrível" em Anos Rebeldes

Foto: Divulgação
Malu Mader e Cássio Gabus Mendes em cena de Anos Rebeldes
A ficção e a realidade se encontraram em 1992, conforme crescia nas ruas brasileiras a campanha pelo impeachment do presidente Fernando Collor. Em maio daquele ano iniciou-se a crise que culminaria na renúncia do presidente, em 29 de setembro. Na televisão, em 14 de julho, estreou a minissérie Anos Rebeldes, de Gilberto Braga, que pela primeira vez levava à tela da Rede Globo a dramatização da ditadura militar brasileira iniciada em 1964. Passeatas contra o regime, confrontos de rua e a luta armada encampada pela juventude de esquerda estavam no cardápio da realidade tratada como ficção.

No dia 11 de agosto de 18 anos atrás, uma passeata na avenida Paulista, em São Paulo, reuniu 10 mil pessoas, entre elas os estudantes com rostos pintados de verde e amarelo que seriam conhecidos como "caras-pintadas". Em 14 de agosto, foi ao ar o último capítulo de Anos Rebeldes, em que a jovem militante clandestina vivida por Cláudia Abreu morria na rua, metralhada pela polícia. No mesmo dia, Collor ia à TV convocar a população a sair às ruas vestida de verde e amarelo, em sinal de apoio à sua figura. Os caras-pintadas obedeceram o comando ao contrário, e tomaram as ruas com o slogan "fora Collor" e pinturas de rosto e roupas pretas.

Um dos temas musicais de Anos Rebeldes era "Alegria, Alegria" (1967), de Caetano Veloso, apropriado pela juventude de 1992, que passou a cantar nas ruas os versos algo desnorteados "caminhando contra o vento sem lenço nem documento". Exatos 18 anos depois, Gilberto Braga revisita a história no livro Anos Rebeldes - Os Bastidores da Criação de uma Minissérie (ed. Rocco, 629 págs.), que inclui o roteiro completo e uma porção de comentários do autor sobre as tensões daquele momento.


Foto: Divulgação
Claudia Abreu, a Heloísa de Anos Rebeldes

Ele revela, por exemplo, que a censura interna da Globo foi "um fantasma terrível" durante a feitura do texto. "Eu queria terminar logo, antes que mudassem de ideia e decidissem não levar Anos Rebeldes ao ar", escreve. Admite que partes mais contundentes foram rejeitadas e tiveram que ser reescritas. E que, com a série no ar, passou a fugir da imprensa para não ter de falar das alterações ou comentar conexões entre o que acontecia nas ruas da ficção e nas da vida real.

Nem tudo mudou desde então. Para divulgar seu livro, o teledramaturgo topa dar entrevistas à imprensa de 2010, mas apenas por e-mail. E oferece respostas lacônicas às perguntas. Provocado a aprofundar uma reavaliação sobre como Anos Rebeldes repercutiu nos fatos políticos reais de 1992, por exemplo, limita-se a afirmar: "Fiz isso no livro".

Mas Gilberto não se furta a afirmar que a série era "tendenciosa" a favor dos estudantes esquerdistas de 1968, nem a responder se ele, autor, se situa à esquerda no espectro ideológico: "Claro que a minissérie é totalmente contra a ditadura. Eu também sou. Ainda há pessoas de direita a favor da ditadura, que eles chamam de 'revolução'".

Escreve também sobre sua trajetória e convicções e sobre a resistência da Globo a dar vez a novos dramaturgos. Conta do pai que, escrivão de polícia, recebia ingressos gratuitos para espetáculos teatrais - devidamente desfrutados pelo filho adolescente. Revela que os protagonistas de Anos Rebeldes homenageavam personagens reais: o revolucionário João Alfredo (Cássio Gabus Mendes) e a despolitizada Maria Lúcia (Malu Mader) têm os mesmos nomes de João e Lucinha Araújo (pais do cantor Cazuza, e, ele, ex-presidente da gravadora da Globo, Som livre), e o antagonista de João Alfredo, Edgar (Marcelo Serrado), foi batizado com o nome de seu companheiro até hoje, Edgar Moura Brasil. A inspiração é só nominal, ou chega às personalidades dos personagens? "Só dos nomes", encerra assunto.

A edição de Anos Rebeldes em livro coincide com outro momento político importante do Brasil: a eleição de novo presidente após oito anos de governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o candidato que por pouco não derrotou Fernando Collor em 1989, na primeira eleição presidencial pós-ditadura. Enquanto prepara para estreia em janeiro de 2011 sua próxima novela global, Gilberto Braga revela em poucas palavras sua opção de voto para 2010: "Vou votar no Serra, porque sempre fiz campanha para o PT e me decepcionei muito nos últimos tempos".

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